Cabo das Tormentas 1488
Ensaios sobre a Declinação Magnética e os Descobrimentos Portugueses
6.1 - Declinação magnética por volta de 1500
A simulação de projecções para os valores da declinação magnética para o século XVI (e para séculos anteriores) é um exercício complicado e pouco fiável pois estas projecções são obtidas através de extrapolações a partir de dados que se conhecem do século XVII (primeiro século onde existem registos consistentes).
Dos modelos que aqui apresentamos (um para 1400, dois para 1500 e outro para 1590) e da informação recolhida na época, podemos concluir, com elevado grau de certeza, que a declinação magnética da Península Ibérica por volta de 1500 estaria contida num intervalo entre os três e os sete graus leste. De qualquer forma são evidentes as disparidades observadas em alguns modelos.
Iremos também apresentar uma tabela com dados conhecidos (observados e registados) sobre a declinação magnética em determinados lugares do planeta no século XVI tentando contribuir para a construção de uma matriz de dados sobre a declinação magnética de 1500.
Historic Declination Map -1590 (US Survey)
Tabela de declinações magnéticas registadas na época dos Descobrimentos:
Local | Observador | Data | Declinação |
Lisboa | João de Lisboa | 1514 | 3º Leste |
Lisboa | D. João de Castro | 1538 | 7.5º Leste |
Cabo da Boa Esperança | Vários | ~1500 | Zero |
S. Vicente (Cabo Verde) | João de Lisboa | 1514 | Zero |
São Miguel / Santa Maria | João de Lisboa | 1514 | Zero |
Costa do Brasil | Hans Mayr (alemão) | 1505 | 17º Leste |
Costa do Brasil | D. João de Castro | 1538 | 11.5º Leste |
Sevilha | Alonso de Santa Cruz | 1555 | 6º Leste |
Chaul (India) | Pilotos Portugueses | 1545 | 10º Oeste |
Calecut | Pilotos Portugueses | 1545 | 17º Oeste |
Malaca | Pilotos Portugueses | 1545 | 20º Oeste |
Canárias | D. João de Castro | 1538 | 5.5º Leste |
Em função deste valores e da leitura dos diversos modelos disponíveis podemos construir a seguinte tabela resumo:
Valores médios estimados para a declinação
Local | Século XV | Século XVI |
Lisboa | 3º Leste | 7º Leste |
Madeira | 2º Leste | 6º Leste |
Açores (Santa Maria) | Zero | 3º Leste |
Açores (Corvo) | 1º Oeste | 1º Leste |
Canárias | 2º Leste | 6º Leste |
Ceuta | 6º Leste | 8º Leste |
Itália | 6º Leste | 8º Leste |
Norte da Europa | 6º Leste | 5º Leste |
Não se sabe exactamente desde quando se percebeu que o desvio entre o norte da agulha e o norte geográfico era variável de lugar para lugar, dependendo dos locais geográficos onde as agulhas se encontrassem (e da data também). Na instalação e montagem das agulhas de marear, era relativamente fácil detectar o desvio evidenciado pela agulha face ao norte geográfico (conhecido por exemplo através da culminação do Sol ou da Polar). Como havia tempo (assim o assumimos), esta operação podia ser repetida diversas vezes, em diversos dias, até se estabilizar em torno de um valor (que era o da declinação magnética local).
Assumindo que as embarcações portuguesas utilizavam agulhas genovesas, flamengas e francesas no século XV, que sabemos que utilizavam os ferros ferrados fora da flor-de-lis, então podemos concluir que o factor de correcção para a declinação magnética local (ângulo dos ferros com a flor-de-lis) era igual a cerca de seis graus, aproximadamente meia quarta (fig. nº39). A declinação em Lisboa (e Lagos) seria de cerca de 3 graus leste.
(na figura ângulos muito exagerados para facilitar a leitura)
Fig. Nº 39 – declinação 6º Leste
Ao ser instaladas a bordos das embarcações em Lisboa ou em Lagos, poderíamos observar o seguinte, olhando a agulha de marear:
Caso o norte geográfico fosse conhecido então era possível verificar que a flor-de-lis não estava fixa nos pólos. No entanto o ângulo era muito pequeno, cerca de três graus, um quarto de quarta, pelo que acreditamos que na maior parte das vezes, nomeadamente numa fase muito inicial da expansão portuguesa, esta variação não era detectada ou até mesmo ignorada.
Navegando para sul, acompanhando a costa do norte de África, a declinação pouco alterava, mantendo-se praticamente idêntica à de Portugal, eventualmente diminuindo em um grau, mantendo-se as mesmas dificuldades na detecção desta variação ou em condições para que fosse considerada como relevante por parte dos pilotos.
Com a navegação em mar alto, como por exemplo para os Açores e na volta da Mina, esta situação alterou-se radicalmente como iremos seguidamente ver.