4.2 - Cálculo da latitude através da altura da Polar
Recordemos que a distância angular da Polar em relação ao Pólo era bem maior nos séculos XV e XVI do que aquela que se observa nos nossos dias, sendo então aproximadamente igual a 3.5 graus.
Fig. nº10 – Passagem meridiana da Polar
No exemplo da fig. nº 10, e para a passagem meridiana da Polar correspondente ao valor máximo que se observa para a altura da Polar sobre o horizonte, facilmente se conclui o seguinte:
(século XV)
Latitude (φ) = 90º - (90º - Ω (altura) ) – 3.5º = Ω (altura) - 3.5º
(nossos dias)
Latitude (φ) = 90º - (90º - Ω (altura) ) – 1º = Ω (altura) – 1º
Fig. nº11 – Passagem meridiana da Polar
No exemplo da fig. nº 11, e para a segunda passagem da Polar pelo meridiano do lugar, também facilmente se conclui o seguinte:
(século XV)
90º - Latitude (φ) = 90º - (90º - Ω (altura) + 3.5º) = Ω (altura) + 3.5º
(nossos dias)
90º - Latitude (φ) = 90º - 90º - Ω (altura) + 1.0º) = Ω (altura) + 1.0º
Com os exemplos das figuras nº10 e nº 11, concluímos que a latitude de um lugar, através da altura da estrela Polar, seria igual à altura observada corrigida por um factor situado no intervalo [-3.5º, +3.5º].
(século XV)
Latitude (φ) = Ω (altura) + [- 3.5º, + 3.5º]
A determinação deste factor de correcção esteve precisamente na origem dos vários Regimentos da Polar que surgiram na época dos Descobrimentos.
É interessante notar que um erro na aplicação deste factor podia levar a ocorrência de erros de cálculo da latitude na ordem dos sete graus, o que já seria um erro muito grosseiro, mesmo para a época.
“E sabereis que quando as guardas estiverem em a cabeça, [*] está três graus mais abaixo do eixo [**]; outro tal quando as guardas estão ao pé do norte, então o norte está três graus mais alto que deve acima do eixo”
[*] – Polar
[**] – Pólo
(Reportório dos Tempos, edição de 1563)
Ou ainda
“E sabereis que quando as guardas estiverem em a cabeça, está a estrela abaixo do Pólo três graus ………………. quando as guardas estão na linha acima do braço de oeste está a estrela abaixo do Pólo meio grau”
(Guia Náutico de Munique, edição de 1509)
Numa fase inicial de utilização da estrela Polar pelos navegadores, estes utilizavam-na acima de tudo como referência, através de simples processos de comparação de alturas. Registavam a altura da Polar nos vários lugares por onde passavam, deste modo podiam avaliar a distância meridiana (16,17 ou 18 léguas por grau de latitude, conforme a época e a evolução do conhecimento sobre as dimensões do nosso planeta) a que se encontravam do paralelo do ponto de referência.
Por exemplo, registavam a altura da Polar em Finisterra, em Lisboa, nas Canárias, em Cabo Verde, no Funchal, etc. Encontrando-se a embarcação num lugar em que se observava a Polar por uma determinada altura, podiam avaliar a distância em latitude face a um desses pontos de referência.
Para medir a altura dos astros, os antigos navegantes começaram por usar o quadrante e o astrolábio náutico, instrumentos que têm a vantagem de não necessitar do horizonte, uma vez que medem a distância zenital de qualquer astro, ângulo entre a direcção do astro e o zénite. Como a distância zenital é a complementar da altura, esta podia ser obtida pela subtracção para 90°.
Fig. nº12 – Quadrante
“Partindo alguém de Lisboa paramentes onde lhe cai a chumbada….e põe ali um sinal sobre o quadrante, em tal tempo que as estrelas da guarda estão leste-oeste com a estrela do Norte”
(Reportório dos Tempos, edição de 1563)
Portanto era sugerido ao navegador que marcasse no próprio quadrante o valor do ângulo definido pelo pêndulo (chumbada), que era a altura da Polar em Lisboa para uma determinada posição das guardas.
“E depois de um ou dias de mar, quando quer que quiserdes saber no mar quanto o vosso navio está diferenciado de Lisboa, verás a quantos graus vos cairá o chumbo, ou de um lado ou do outro do vosso primeiro ponto [Lisboa] ”
Obtida a diferença entre as duas alturas, bastava multiplicar esta diferença pelo número de léguas por grau, para se obter as distâncias, em latitude, entre lugares. Este método designa-se por método de comparação de alturas. Só numa fase posterior, com a introdução dos regimentos, é que se iniciou a fase de determinação das latitudes dos lugares. Com os regimentos eram identificadas as correcções a efectuar sobre os valores observados para a altura da Polar.
Fig. nº13 – Ursa Menor e a Polar
Na figura nº 13, apresentamos de forma simplificada a trajectória que a Polar descreve nos céus para um observador situado num lugar situado no hemisfério norte e olhando em direcção ao norte geográfico. Os regimentos da época dos descobrimentos faziam referência precisamente a determinadas posições visuais que as estrelas da constelação da Ursa Menor (nomeadamente as guardas) assumiam.
Fig. nº14 – A Polar
Com melhor detalhe, tendo como referência a figura nº14, na qual tentamos representar o movimento aparente da Polar nos céus de um determinado lugar no hemisfério norte, podemos concluir o seguinte:
- A posição 1 representa a altura máxima alcançada pela Polar, se não fosse utilizado nenhum factor de correcção a latitude calculada seria superior à do local
- A posição 3 representa a altura mínima alcançada pela Polar, se não fosse utlizado nenhum factor de correcção a latitude calculada seria inferior à do local
- Para as posições 2 e 4, a altura observada pode ser considerada como igual à latitude do lugar
O momento da leitura da altura [ex: em tal tempo que as estrelas da guarda estão leste-oeste com a estrela do Norte] era crítico para o rigor do processo. Numa primeira fase seriam as observações visuais que garantiam o respeito pelas regras definidas pelos regimentos ou simples conhecimentos que iam sendo transmitidos entre os pilotos. Mais tarde, seguramente com o início da utilização do Sol na navegação astronómica, surgiram mecanismos cuja utilização associada à agulha de marear permitia a determinação mais rigorosa do momento em que se pretendia obter a altura de um determinado astro.
Nota de Rodapé
O Astrolábio náutico terá sido provavelmente uma adaptação do astrolábio planisfério. Em 1664, Hooke transforma o astrolábio, adicionando-lhe um jogo de espelhos o que permitia a observação simultânea do astro observado e da linha do horizonte. Newton, em 1669, reduz o semicírculo graduado, em 1742, Hadley transforma ainda mais o astrolábio e, em 1757, Campbell inventa o sextante.
Em 1919, Gago Coutinho descreveu pela primeira vez o sistema de horizonte artificial o qual incluía um nível de bolha embutido na estrutura de um sextante convencional. O Sextante de horizonte artificial é um dispositivo de navegação aére utilizado para a medição da altura de um astro sem que seja necessário recorrer ao horizonte.